quarta-feira, 4 de outubro de 2017

É só uma letra.


Cansada de me ver com as camisas que compro sempre do mesmo camelô em frente ao Campo São Bento, minha mulher resolveu dar um basta nisso. Foi ao camelô do lado e comprou uma camisa estampada com a letra de uma música do Cazuza.

“Enquanto houver burguesia, não vai haver poesia”.

Achei linda. Se eu fosse ao Rock’n Rio, iria com ela. Como não fui, usei pra ir ao Hortifruti mesmo. E em menos de 2 horas, minha camisa causou mais polêmica do que exposição contendo homem nu.

Um amigo, um familiar, o vizinho do outro bloco e um taxista parado no sinal me recriminaram.

O taxista abriu a janela, me olhou de cima e baixo, e proferiu a sentença: “Zezé DiCamargo neles!”.

O vizinho do outro bloco me perguntou se eu dava tanta atenção à causa proletária, por que nunca havia assinado o livro de ouro dos porteiros. Por sorte, o elevador chegou.

Um familiar me chamou de subversivo. E meu amigo, vidrado em Wikipedia, leu a camisa e descreveu etimologicamente o termo burguesia. Tintim por tintim. No fim, um lembrete: você é burguês também, sabia?

Tentei descontrair o papo e citei outro trecho da música “Eu também cheiro mal”.

Mas ele nem riu. Tentei me defender.

- Sim, sei que sou burguês. Inclusive se eu estivesse na Revolução Francesa, no dia da queda da bastilha eu iria lá pra frente fazer a dança do Neymar.

Ele só respondeu que Neymar nem era dessa época. E continuou me olhando com expressão de nada.

Só me restou tentar explicar o contexto maior do termo burguês nessa música e em alguns discursos. Mas descobri que o meu amigo não sabe o que é licença poética. Bem, assim, não tem mesmo como haver poesia.


Tudo isso só pra dizer que eles não entendem muito de arte não.

sexta-feira, 26 de maio de 2017

A malemolência do futebol brasileiro


Com o itinerário militar, quartel-Brasília-quartel, darei meia volta volver nos meus temas. Passarei a falar mais sobre futebol. Sou um ser prudente.

Contundido por uma bolada de papel,
Serra foi vetado para a partida. Mas
apareceu para dar o pontapé inicial
Imaginei uma grande partida no Maracanã, que como todos sabem é da Odebrecht (e de um pouquinho do Eike também).

O homem de preto é Gilmar Mendes. É um juiz lento, burocrático, mas parceirão dos jogadores. De alguns, mais ainda. Ele apita o início da partida. O ensaboado Aécio divide uma bola e “FALTA!!” para o Aécio. A torcida vibra:

 - AHHH - É C-I-O. 

Ele novamente recebe a bola e... Tropeça sozinho. “FALTA!!”.

 Aécio espirra. “FALTA!!”.

Uma espécie de Eurico Miranda genérico, o cartola Jairzinho Bolsonaro não se aguenta. Invade o campo. Xinga o juiz. A mãe do juiz. Fala que futebol não é jogo pra mulherzinha. Se não quebrar ou torturar o adversário, “NÃO-É-FALTA!”.  

- Juiz ladrão tem que ser fuzilado!

A violenta torcida organizada aplaude e grita "Uh! Vai Morrer”.

Dilmão pedala mal e perde o gol.
Enquanto isso, um jogador de origem humilde, língua presa e linguagem popular (queria estar falando do Romário, mas o nome dele é Lula mesmo), avança pela esquerda. Na verdade, pela direita também, dependendo do ângulo. Ah, enfim, avança pelo centro, vai. Ele faz umas firulas e entrega a bola para a centroavante Dilmão, que pedala na frente do goleiro e...  Fuuuura a bola.

Jogada tão ruim que o bandeirinha Dudu Cunha marca impedimento pelo conjunto da obra.

O técnico Temer resolve ousar. Aqui cabe uma explicação: Temer é o típico técnico de futebol. Tem esquemas com empresários pra escalar jogador, monta mal o time, fala bonito nas entrevistas, mas só faz merda. E dessa vez, ele quis dar um golpe de mestre. Resolveu que ele mesmo seria o substituto de Dilmão no ataque. 

No camarote vip, uma bela e recatada torcedora grita sozinha:

- Lindo, tesão bonito, gostosão!

Um minuto de silêncio constrangedor no Maracanã.

Temer enrolar-se-ia sozinho com suas pernas. E o gandula Rodrigo Maia tentava colocar o mais rápido possível pra jogo todas as bolas fora de Temer. No fim, já estava com aquela cara de choro de tão casando. Coitado.

Aécio pode ser julgado por fugir do antidoping.
O jogo vira uma zona. Perdendo mais uma vez, Aécio abandona a partida no meio, sem fazer sequer o antidoping. Saiu vaiado até pela Janaína, chefe da sua torcida. A arquibancada inteira briga. Um bandeirão vermelho é queimado, uma camisa da CBF novinha é rasgada. Um pecado (custa caro pra cacete). Sanduíches de mortadela são arremessados. Panelas voam e somem no ar. 
    
Mas o que importa é que a bilheteria é um enorme sucesso. Ingresso caro e muito fanatismo trazem renda recorde pra o Maracanã da Odebrecht e de um pouquinho do Eike também. Fato exaltado com muita vibração pela grande mídia:

- É rrrrrecorde!!!! É rrrrecorde!

E assim a transmissão se encerra com a narração do rei do microfone, ele, Joesley Batista.




sexta-feira, 17 de março de 2017

O Zé da história


Zé Lindoso sempre foi um homem de boa fé. Cresceu acreditando na frase do ex-ministro Delfim Neto. Era só esperar o bolo crescer pra depois repartir. Uma pena, porque justamente na hora da divisão, veio uma crise e o Brasil entrou numa hiperinflação. Que chato!

Você pode achar que Lindoso se abateu, mas se engana. Ele não pensou em crise e foi trabalhar. Ainda arrumou tempo para dar sua contribuição ao país. Virou um fiscal do Sarney.

Verdade que não deu muito certo... Mas o que vale é a luta. Zé Lindoso continuou trabalhando duro. “É só correr atrás que vão reconhecer o seu valor.” Mas chegou a onda dos marajás.  Lindoso já estava até ficando desconfiado do Brasil, do mundo... Quando surgiu.... Tchan-ran.... O Caçador de Marajás! A-há! Agora vai.

Não deu. Foi o dia da caça.

Mas calma, veio o Plano Real. Hora de fazer o bolo crescer de novo.  Só que usaram um fermento genérico, tal de privataria. O bolo ficou com cobertura de escândalos, acompanhado de compra de votos pra reeleição, etc. Assim não dá pra repartir. Paciência. “A culpa é do FHC”. Hora de uma limpeza!

Só o PT pra acabar com essa falta de ética. Agora é Lula contra os 300 picaretas com anel de doutor. “Olha, já até estão dividindo um pouquinho o bolo... Pera aí,  pera aí... Mensalão faz parte do bolo? Olha com quem o PT está de amizade. Com os picaretas!” Lindoso ficou chateado. “A culpa é do PT”. Hora de uma limpeza!

Lindoso chegou a se exaltar um pouco. Amassou a Tramontina, foi pra rua e aceitou que os picaretas voltassem. “Também deram problema, mas pelo menos têm um português melhor. Depois, a gente vê o que faz” 

Ele ficou feliz até com a nova gramática do Planalto e o novo Ministro da Fazenda. “Inclusive o Delfim apoia a nova política econômica, sabia?”. Estava aceitando razoavelmente tudo, até entrar essa história de Reforma da Previdência. Agora, Zé Lindoso pode não conseguir se aposentar (não teve como investir numa previdência privada. Sempre ganhou pouco. Ia fazer quando o bolo fosse dividido). Isso o deixou bem chateado. Resolveu ir diretamente a Brasília pra falar com o Temer.

Saiu de lá convencido. Se o presidente se aposentou aos 55 anos e tem que trabalhar até hoje, sinal que a aposentadoria não é uma coisa boa por aqui. Melhor trabalhar até os 80 e tentar melhorar o país.