sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O Devoradô de Letras

Tudo começou quando disseram que ele precisava alimentar mais a sua alma. Poderia, por exemplo, devorar alguns clássicos da literatura. Talvez, por falta de leitura mesmo, entendeu o recado no sentido tão literal da coisa que logo já estava comendo as suas primeiras letrinhas. Definitivamente, queria se tornar um homem letrado. Nem o próprio nome (Maurício Sardinha) conseguia pronunciar sem engolir um errezinho ou arrotar uma cedilhazinha:
- Prazê, Mauriço Sadinha.
- Meu filho, pare com isso. Pode prejudicar a sua saúde. Por que não come alguma coisa normal como todo mundo?
- Pai, nem só de pão vive o home, mas também da palavra. Por falá nisso, mãe, sobrou um poquinho da sopa de letrinhas?

O pai ia à loucura. A mãe tentava acalmá-lo.
- Esses jovens de hoje só comem bobagem mesmo. Isso passa.

Mas não passou. E a história que foi se desenrolando daria um livro, neste caso, uma crônica. Mauriço começou a levar o novo hábito de alimentação a sério. Ingeriu uma quantidade tão grande de letras, que estava com dificuldades de expelir algumas. Como o W, por exemplo. O H, por motivos óbvios, também lhe causava prisão de ventre.

Era preciso desgastar todo aquele dicionário no estômago. Foi malhar na Academia Brasileira de Letras. Vivia tomando aquele chazinho cheio de circunflexos anabolizantes e tremas proibidas, sonhando em se tornar imortal.

A má influência da turma da academia fez Mauriço exagerar. Passou a adorar qualquer discussão apenas para engolir seco o que o outro dizia. Só mesmo a namorada para fazê-lo soltar uma palavra doce.
- Bombom, vamos jantar fora? Tem um rodízio ótimo no Flamengo chamado Estação das Letras.
- Maurício, tá louco! Isso é uma livraria!!!

Depois de muito custo, aceitou a sugestão sensata e foram para um restaurante japonês. Foi um vexame. Mauriço comeu o menu.
- Desculpe, mas ideograma é muita tentação!

Tiveram que parar de sair. Em casa, Mauriço passou a viver com uma palavra cruzada na mão. O que para ele equivalia a um livro de receitas. Cada vez mais faminto, ele chegou a comer o pingente de letra M do próprio cordão. O que novamente causou prisão de ventre. Afinal, o M dentro do organismo agia da mesma forma que o W.

Foi obrigado a se tratar. E escutou duas coisas do médico: primeiro, a bronca por ter engolido toda a receita. Depois, as recomendações. Dieta rigorosa. Nada de romances, nem teses científicas. No máximo, um conto, porque a situação era crônica. Outra coisa: nada de papas na língua. O que havia dentro dele, tinha que ser posto para fora com todas as letras.
Naquele mesmo dia, ao chegar atrasado ao trabalho, por justamente ter ido à consulta, ouviu uma série de palavras indigestas do chefe. E Mauriço começou o tratamento. Soltou o verbo, o sujeito, o predicado e até um ou outro adjunto adverbial de lugar impróprio, que eu só posso traduzir como “naquele lugar”. No fim, ainda disparou um Y que foi rodopiando e passou raspando a cabeça do chefe.

Mauriço, é claro, está desempregado. Para saber melhor como aplicar o dinheiro do Fundo de Garantia, ele passa o dia fazendo contas. Pelo jeito diferente que ele olha os números... Parece que será difícil resistir.
*texto publicado também em O Desenfado
www.o-desenfado.blogspot.com/

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Fênix está na moda

Não sei se vocês repararam, mas de uns tempos pra cá, o mundo vive um período de ressurgimento. Menos a minha inspiração que não consegue encontrar uma maneira menos cretina de começar o texto. Bem, torço para que ela também acompanhe os novos tempos e ressurja nas próximas linhas. Que a sorte esteja comigo. Aos leitores de fé, segue a redação.

O fato mais emblemático desse período se chama Rubinho Barrichello. No meu texto, ele aparece sim em primeiro (embora um parágrafo já o tenha ultrapassado, mas não vamos levar isso em conta, ok?). Ele é o melhor exemplo de que o tempo premia aquele que corre atrás (sem gracinhas, por favor. Vocês entenderam o que eu quis dizer).

No início do ano, Rubinho ainda entregava currículo e todos apostavam que ele ficaria a pé. Meses depois, o panorama é outro:
1º - Ele está em uma das melhores equipes da fórmula 1. Equipe essa que por pouco não participa da temporada. Surgiu aos 45 do segundo tempo das cinzas da Honda;

2º - Pela primeira vez na carreira, Rubinho tem a chance real de vencer um campeonato.

Para completar a situação simbólica, seu principal oponente é o outro piloto do time, Jenson Button, também dado como aposentado. Ou seja, as circunstâncias são perfeitas para assistir a uma corrida dos carros da Brawn GP e soltar o comentário candidato a piada: “Eles fizeram a melhor volta dos que não foram”. Não sei como Galvão Bueno ainda se conteve. Por incrível que pareça, talvez ele tenha um senso crítico melhor do que o meu.

No futebol, não vou falar de Ronaldo, pois aí seria “A volta dos que não foram nº 132”. Mas e o Petkovic, hein? Quem esperava que ele fosse jogar o que está jogando? Não, não vale a opinião dos otimistas fanáticos! Esses acertaram, inclusive, que Romário entraria novamente em campo. Nesse caso é “A volta de quem, pelo jeito, nunca vai”.

Quando o reaparecimento não é espontâneo, a lógica prevalece e a coisa fica meio artificial. O programa Fantástico, por exemplo, foi buscar lá no Uruguai, o cantor Belchior. Até aí, tudo bem... Mas tinha que trazer o Silvinho Ursinho Blau Blau de Brinquedo? Se o Beto Barbosa ressurgir, vou começar a acreditar num complô da Globo para nos deixar no limite.

Na política, já passamos do limite. Sarney parece imortal. Aliás, quem teve a “genial” ideia de dar esse título pra ele? Com seus poderes secretos, ele protagonizou no Senado “A volta de quem (mas por que será?, Meu Deus, me responda) não foi”. E assim descobrimos que algumas questões não são tão irrevogáveis assim.

É por tudo isso que eu ainda tenho esperança no Fluminense. Só não tenho mais inspiração.