sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Significados insignificantes

(Baseado em uma história real. Tenho testemunhas.)

Por muito tempo eu fiquei indeciso em escrever esta crônica. Não, o texto não tem nada de bombástico, revelador. São apenas as pérolas de um amigo que tem o dom, se assim podemos dizer, de trocar os significados das palavras. Ele, inclusive, tem uma gramática boa e até usa as prepotentes mesóclises, mas tem uma incompatibilidade com o dicionário...

A dúvida em fazer o texto era a seguinte: eu correria o risco de as pessoas rirem dele e não da história. Por isso, omito o nome do meu amigo. Até porque ele é botafoguense e já vem aguentando gozações demais. E para falar a verdade, acho injustas todas as críticas a seu vocabulário. Porque, no fundo, acredito que ele esteja certo e os dicionários, errados. Amigo da gente sempre tem razão.

Veja se não faria mais sentido se a língua portuguesa se rendesse a ele:

- Vartan, era uma festança daquelas. Mas, de repente, deu um holocausto e apagou tudo.

Não sei por que “holocausto” tem o significado que tem em português. Funcionaria muito melhor se fosse a tradução de blackout. Sua sonoridade faz todo sentido. As duas primeiras sílabas transmitem uma pronúncia linear (ho-lo), tudo vai muito bem. A terceira (caus) dá a sensação de uma explosãozinha, talvez o transformador da esquina. Em seguida, um fonema seco (to). Pronto! Apagou tudo.

Não, não apaguem o texto da sua tela. Eu tenho argumentos melhores a favor dele.

Num passeio de escuna em Paraty, ele aconselhou um amigo que não sabia nadar.

- Márcio, tome cuidado. O mar é imprescindível!

Márcio, coitado, não entendeu o recado. Se não fossem os guarda-vidas... Depois de receber uma respiração boca a boca do sargento Serjão, Márcio quis culpar meu amigo. Ele desconhecia o fundamento histórico deste conselho. Afinal, no século XV, os ibéricos já diziam que o mar era imprescindível. Só mais tarde, ao errar o caminho para Índias e parar no Brasil, Cabral soltou a frase lusitana: “O mar é imprevisível”.

Foi nesse passeio, inclusive, que ele revelou o motivo de ter deixado a namorada:

- Ah, a gente não estava se coagulando muito bem.

Seja o que for que ele quis dizer, eu entendi perfeitamente porque eles se separaram.

Aliás, algumas palavras em português não merecem o peso que têm. Por exemplo: defenestrar quer dizer somente “atirar algo pela janela”. Ora, pela sonoridade, defenestrar deveria ser uma catástrofe ou, no mínimo, um desastre.

Suplente é outra palavra que, pela sua aparência pomposa, dá a impressão de ser muito mais do que significa:

- Ninguém te atendeu??? Chamarei o suplente.

Falando assim, parece que vem alguém de uma instância superior para resolver todos os problemas: capaz de promover a justiça social, lutar pela paz entre as nações e exigir o fim dos alimentos que contém glutém. Ele é o SUPLENTE! Mas quem chega é um mero substituto da atendente.

E pernóstico? Toda vez que escuto esta palavra parece que estamos falando de um criminoso, daqueles capazes de atrocidades. E mesmo quando me lembram que a palavra é só um adjetivo geralmente usado para quem fala com suposta propriedade de um assunto que não tem muita ideia, ainda assim tenho medo dos pernósticos.
Que esses tais pernósticos não comentem esse texto, como fazem com as frases do meu amigo. Deus me livre

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Os cinéfilos

Ele queria muito que sua vida fosse um musical. Daqueles de superprodução. Acreditava que seu nome, Tom, não era simplesmente um nome. Era uma predestinação. Os amigos diziam que isso era coisa de viado. Então, ele aproveitava para comprovar sua vocação e emendava a primeira estrofe: “Telma, eu não sou gay...”. Saía rodopiando e pedia que os amigos completassem a coreografia. Os amigos, é claro, não faziam nada disso. Ninguém queria ser coadjuvante.

Já Marcinha era uma sonhadora. Desejava viver uma comédia romântica. Eram feitos um para outro. E assim podemos dizer que a única coisa que faltava para eles se conhecerem era uma cantada. Mas como estamos falando de Tom, não faltava mais. Marcinha se apaixonou como uma mocinha de sessão da tarde, quando Tom roubou o microfone no barzinho e, olhando nos olhos dela, cantou “Andança” (“por onde for, quero ser seu par...”). Tudo ao seu redor parecia estar em câmera lenta, menos os outros frequentadores que não prestaram atenção naquela cena, porque reclamavam do garçom, que não prestou atenção nos pedidos.

Mas musicalzinho e comédia romântica não fazem o gênero desta coluna. Por isso escrevo para este roteiro uma nova personagem: Neusa, a amante de Tom. Uma mulher que só gostava de aventuras. Ela adorava protagonizar cenas eróticas com o Tom cantando ao seu ouvido Elymar Santos. “E mexe, remexe, se encosta, se enrola...”

O problema todo é que o Nestor, marido da Neusa, era fissurado em filmes policiais. Desconfiado da esposa, contratou um detetive particular. Tom ficou preocupado e tentou convencer o amigo do contrário: “Polícia para quem precisa, polícia pra quem precisa de polícia”. Mas Nestor disse que detestava suspenses e que, se a traição fosse confirmada, iria colocar em prática seu gênero suplente: o TERROR!

Luz, câmera, ação e fechem os olhos, pois a cena do Nestor estrangulando o amigo é muito forte. Sem ar e sabendo que a morte estava chegando, só deu tempo de Tom, enquanto morria, tossir no ritmo do tema de Psicose. Seu “the end” teria que ser em grande estilo.

No velório, houve quem escutasse um assobio da marcha fúnebre vindo de dentro do caixão. Nada foi provado.

Marcinha chorou, mas não muito. Logo estava casada com um documentarista, que não tinha o mesmo repertório romântico de Tom, mas, enfim, era um relacionamento baseado em fatos reais.

Tudo isso é ficção, é óbvio. Menos a parte que Tom roubou o microfone no barzinho. O que viria a seguir só não se tornou verdade porque, enquanto ele cantava “Andança”, Marcinha estava reclamando com o garçom o pedido que veio errado. E convenhamos: a música estava atrapalhando a conversa.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Que país é esse?

A crise em Honduras fez revelar uma estatística interessante: Como há gente no Brasil especializada em política hondurenha, hein! E essas pessoas devem ter um nível de formação invejável. Elas são capazes de dominar a ciência da lógica ou ignorá-la, o que é mais difícil ainda. Porque em Honduras acontece tudo, menos o óbvio.

Por exemplo, fim da década de 60: o país entra em guerra contra El Salvador devido a uma partida de futebol. Guerra mesmo. Se um jogo entre Honduras e El Salvador causa tudo isso, não quero nem imaginar o que pode acontecer se um dia Vasco e Flamengo jogarem por lá.

40 anos depois o inusitado ainda habita o país. O presidente Manuel Zelaya foi deposto do poder após tentar um mecanismo para aprovar a reeleição. Ele poderia muito bem ter conversado com FHC para ser bem-sucedido na manobra. Mas enfim, não conversou e deu no que deu: quis começar um segundo mandato e não terminou o primeiro.

Com o aval do judiciário, Roberto Micheletti tomou o poder afirmando ter a garantia da constituição. Depois, suspendeu várias garantias constitucionais, além de fechar rádios e TVs. Ou seja, em Honduras, cortaram a liberdade de expressão em nome da democracia. É ou não é um país confuso?

Confuso e místico. Ninguém até agora explicou como Zelaya e seus sessenta seguidores se materializaram na Embaixada Brasileira. Nem o Presidente Lula sabe. Eu acredito nele. Lula tem se mostrado coerente com sua filosofia socrática. “Eu só sei que nada sei”.

Talvez Zelaya e sua turma tenham se disfarçado de entregadores de pizza e como a Embaixada é território brasileiro, ninguém se espantou com a quantidade de pizza que chegava. Mandaram entrar. Agora o problema é a saída à francesa. Com aquele chapéu, impossível.

Bem, esse texto vai ficar uma semana no ar. Período suficiente para ele ficar velho de uma hora para outra. Mas, em se tratando de Honduras... Sei não. Lá é tudo muito complicado. Afinal, um país que coloca o nome da sua capital de Tegucigalpa quer, no mínimo, causar confusão.