terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Exclusivo: a biografia de Papai Noel

Papai Noel estava cansado. Desestimulado. Vivia coçando o saco que carregava nas costas. Trabalhava o ano todo, mas o reconhecimento só vinha quase no fim dos 365 dias e mesmo assim durava pouco. Logo depois, todos já tinham mudado de assunto e só falavam do ano novo.

Papai Noel queria mais. Queria o reconhecimento profissional. E quem sabe um cargo de executivo em uma indústria de brinquedos. Um emprego que oferecesse um bom salário, folga aos fins de semanas e feriados (inclusive o de Natal).

Papai Noel não conseguiu a vaga de vice-presidente na Gulliver. Tinha um estagiário que fazia essa função por um custo bem menor, mas o velhinho já tinha outros planos. Organizaria um programa de demissão voluntária para as renas que o ajudaram durante anos. Em relação aos duendes, pagaria cursos profissionalizantes para que eles pudessem alcançar um crescimento profissional e, principalmente, pessoal.

E assim, mandou as renas para o espaço. Já os duendes sumiram de repente, apesar da promessa dos cursos.

Seu novo negócio era adaptável aos novos tempos. Esqueceu as cartinhas. A equipe agora respondia as mensagens pelo facebook e Twitter (@papainoelreal). Tinha também um site: www.papainoeldelivery.com.br/3xsemjuros com patrocínio das Casas Bahia e um slogan que piscava na tela: "Aqui é assim: clicou, levou!".

O Velho Noel passou a trabalhar com um sistema de franquias. Quem quisesse ganhar um troquinho nos shoppings em época de Natal, teria que preencher um formulário, esperar a autorização e o fornecimento do uniforme pela empresa Papai Noel Logísticas e Entretenimentos S/A. Ficou acertado também que para cada grito "oh oh oh" seria cobrada uma taxa relativa aos direitos autorais.

E o velhinho era danado. Ainda tirou um coelho do gorro. Gravou um DVD de músicas natalinas. Era o Top 10 Hits Natal Remix. Papai Noel e sua Banda passaram a fazer shows com a participação especial da cantora Simone, cantando o sucesso "Então é Natal".

Estava tudo dando certo. Mas a pirataria estourou o saco do Papai Noel. Os duendes, que haviam desaparecidos, estavam, na verdade, fabricando produtos falsificados da Papai Noel Logísticas e Entretenimentos S/A, inclusive o seu maior sucesso: Top 10 Hits Natal Remix.

A entrega de todos os produtos ficavam por conta das vingativas renas. Mas o buraco do comércio ilegal era, literalmente, mais embaixo mesmo. Os gnomos comandavam tudo. E por mais que as autoridades os pegassem, eles conseguiam sumir de repente e aparecer em outro lugar, levando (pasmem!) os produtos pirateados.

Por isso, o Papai Noel pode interromper neste natal o fornecimento de seus produtos. Ele quer pensar numa reestruturação da marca e elaborar uma estratégia para acabar de vez não só com a pirataria dos gnomos, mas sim com todo tipo de comércio ilegal. Gnomos x Papai Noel. Em quem você acredita?

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Foi assim que vi o título


Domingo: 05/12/2010
Horário: 18:44

35 minutos do segundo tempo

Os próximos 10 minutos iriam decretar dois meses de humor meu. O Fluminense vencia por 1x0. Só que um golzinho do Guarani podia me tornar paciente de uma unidade cardiológica.

36 minutos

Nesse momento, batia o recorde de caminhada dentro de uma sala de estar. Em frente à TV, andando de um lado para o outro, percorri o equivalente a 17,5 quilômetros.

37 minutos

O locutor avisa que tanto Corinthians como Cruzeiro estão empatando. Só um desastre tira o título do Flu. Não queria, mas nessa hora, me veio à cabeça a LDU. Tinha que pensar em coisas positivas. É a lei da atração! Lembrei a arrancada de 2009. Tudo começou ali. Essa a verdade. O título de 2010 começou em 2009. E se levarmos em conta que cada equipe começa o campeonato com 5% de chances de título e, ano passado, a possibilidade de o Flu participar do brasileirão deste ano era de apenas 2%, a conta que surge é essa: em 2009, as chances de o Fluminense ser campeão no ano seguinte eram 2% em cima de 5%, ou seja, 0,1%. Fiz essa conta no meio do jogo, juro!

38 minutos

Toca o telefone. Alguém diz: “Vamos ser campeões, Vartan, vamos ser campeões!!!”. Eu repondo: “Deus te ouça!”. Ele desliga o telefone. Até agora não sei quem era!

39 minutos

Meu vizinho grita “Muricy guerreiro! Ficou no Flu para ganhar o Brasileiro”. Como Muricy foi importante! Com ele não tem segredo, vídeo motivacional ou teorias como a lei da atração que usei aos 37 minutos de jogo (mas deu certo, vocês viram). A malandragem de Muricy é trabalhar. O tricolor carioca precisava desse pragmatismo paulista. E esse paulista precisava desse clima carioca. O Flu está mais sério. Muricy está mais alegre. Eles se merecem. Nós merecemos.

40 minutos

Conca sente câimbras. Começo outra conceituação filosófica, sociológica sei lá o quê. Esse argentino é o rei do Brasileiro. Brasil x Argentina, Pelé x Maradona, Samba x Tango. Penso: quanta rivalidade boba. E exagero: o Flu está contribuindo para o fim desse bairrismo. Nesse momento, quem canta é o meu filho de 6 anos: “Puta que pariu, é o argentino mais amado do Brasil”. Ameaço repreender o palavrão do menino, mas não é ele que está certo? Bem, acho que não é exagero meu. Se Brasil e Argentina se unirem, vai ser por causa do Fluminense. Digo isso de forma racional. NEEEEENNNNNSSSEEEE!!!!


41 minutos
A bolinha da Globo avisa: gol do Cruzeiro. Cacete, não podemos nem pensar em tomar um gol. Custava uma vitória tranquila por 3 x 0, por exemplo? Melhor pegar o livrinho do plano de saúde e marcar a página do Procordis.


42 a 44 minutos

Estou rezando. O que leva um torcedor a crer que Deus assiste ao campeonato brasileiro? Vocês acham que Deus vai dar esse cartaz todo a CBF?

45 minutos

Vão ser dois minutos de acréscimos. 120 segundos. 1200 décimos, 12000 centésimos ou 120000 milésimos. É tempo para cacete, porra!


46 minutos

O juiz vai apitar a qualquer momento. Vai apitar, apitar, api....


12 horas depois

Acordo. Estou no Procordis. Chega o médico. É o Celso Barros.
NEEEEENNNNSSSSEEEE!!!

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Série Retrô: Eleições

Marina era a candidata que tinha a história de Lula e a elegância de FHC. Ironicamente, era ela a opção de mudança nessas eleições. Sem Marina, fiquei órfão de candidato.

O PT já não é mais o PT. Que fique com Zé Dirceu, com o apoio de Sarney, Calheiros e Collor. Não com meu voto!

O PSDB que também faça bom proveito do seu sócio conservador, o DEM. Aliás, o DEM que já foi PFL e me fez lembrar uma sugestão deles para as eleições de 2002: Silvio Santos para presidente. Na época, mereceu uma crônica minha. E na falta de um candidato que me empolgue e de uma disposição para escrever algo novo, segue abaixo a crônica escrita em 2002.

Mas será possível?

E se Sílvio Santos viesse mesmo aí, como sugeriu o PFL? Posso até imaginar. No dia da posse, Gugu - que, naturalmente, seria o vice - iria chorar ao ouvir, ao invés do hino nacional, o jingle "O Sílvio Santos é coisa nossa", na voz do Supla.

Ainda na cerimônia, Sílvio Santos perceberia a necessidade de um bordão para falar com o povo. O Getúlio tinha o "trabalhadores do Brasil". O Collor tinha o "minha gente". O Sarney, o "brasileiros e brasileiras". Ele precisava de um. Não teria dificuldades. Ao receber a faixa e se dirigir ao público falaria, sorrindo, com a habitual simpatia: "Meus colegas de trabalho ...". O Gugu choraria de novo.

Logo depois, o porta-voz da presidência, o Lombardi, anunciaria a nova equipe do patrão com o Ratinho no Ministério da Justiça, a Hebe Camargo no da Comunicação e o Alexandre Frota no da Cultura. Ainda não havia um nome para o líder do Governo no Congresso, mas tudo estaria indicando que devia ser o Roque.

Com o novo Governo, Sílvio Santos prometeria uma nova fase na política brasileira. Ia acabar de uma vez com esta história de topa tudo por dinheiro e criaria o programa Domingo no Planalto, onde iria apresentar planos revolucionários para o país. Entre eles, o Imposto da Felicidade. Quem pagasse todos seus carnês de impostos, rigorosamente em dia, concorreria a carros zerinho quilometro, a casas próprias e a tênis Montreal.

Um outro plano de Sílvio Santos ia ser o Novo Show do Milhão. Seria oferecido R$ 1 milhão de reais em barras de ouro para quem conseguisse responder como baixar a taxa de juros sem perder investimentos externos.

Aliás, decepcionado com os universitários do seu Show de Milhão tradicional, Sílvio promoveria uma total reforma nas universidades públicas, triplicando, assim, o número de vagas para novos alunos. Este plano seria batizado como Show de Calouros.

Para o comércio exterior, o novo governo negociaria a formação de um mercado comum com o México para a importação e exportação de novelas e seriados sem taxação alguma de impostos. A apresentação da primeira teledramaturgia mexicana livre de impostos seria na Praça dos Três Poderes. No final do episódio, Gugu choraria.

Pensando bem, se o ex-camelô e, atual dono de emissora de televisão administrasse o país assim como administra suas empresas, seu governo teria recorde de audiência. Mas Sílvio Santos presidente? Eu só acredito... Vendo.

***
Em tempo: Se o Sílvio Santos tivesse sido mesmo presidente, o vice, Gugu, já teria mudado de partido. Ninguém iria chorar. Afinal, não correríamos o risco de ele ser a Dilma do Sílvio.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Copa 2014

Estamos em 2014. Acabo de entrar no Maracanã. Meu ingresso, graças a Deus, passou pela catraca. O cambista era honesto. Na cadeira numerada que corresponde ao meu ingresso, está um cara de dois metros de altura. Explico a situação. Ele, gentilmente, arranca a cadeira, entrega na minha mão e “sugere” para eu sentar lá do outro lado.

- Aqui é para a torcida organizada. Qualquer coisa, manda a FIFA falar comigo.

Ah a FIFA! A FIFA está mais preocupada em reclamar das instalações do Palácio da Alvorada, onde os velhinhos estão hospedados. E olha que a Residência Oficial foi toda reformada de acordo com as normas da FIFA. O nosso presidente ou a nossa presidente da República (desculpem, mas isso eu não consegui prever. Chamem o polvo!) se hospedou num hotel em Brasília para deixar os velhinhos mais à vontade e disponibilizou 52 toalhas brancas para cada um. Mas eles ficaram furiosos quando viram que a água mineral era de Lindoia e não a italiana San Pellegrino como a FIFA exige.

Vocês acham que, com tantos problemas, eles iriam se preocupar com minha cadeira numerada? Bem, botei minha cadeirinha debaixo do braço e saí. Calma, está vindo um repórter em minha direção. E agora ou que eu faço? Denuncio? Falo que comprei o ingresso na mão de um cambista honesto e agora não tenho o lugar que escolhi e blábláblá....? Apenas grito “BRASIL!!!!”? Ou pronuncio a frase redentora das copas: “Cala a boca, Galvão!”? Nada disso!!! O repórter é o Ezequiel, o estagiário promissor nos tempos em que eu trabalhava com programas de esporte. Dou os parabéns para Ezequiel. Finalmente, virou repórter. Mas ele logo esclarece. Trabalha como repórter, mas ainda é estagiário. E o pior: ganha como tal.

- O pessoal da TV disse que vai rever o meu caso. Dessa vez sem falta, assim que acabar a copa.

Ah o Ezequiel! O Ezequiel continua um crédulo. Não é a toa que torce para o América. Tem esperança de sobra. E atenção também. Fez questão de me levar à Tribuna de Imprensa para rever os velhos amigos e encontrar um lugar para eu assistir à final.

O único lugar vago que havia era ao lado de... DUNGA. Isso mesmo, o ex-técnico da seleção agora é comentarista da TV Globo. Fiquei meio preocupado em sentar ao lado dele sem minhas caneleiras. Mas Ezequiel me tranquilizou:

- O novo chefe da Globo fez ele ficar mansinho, mansinho.
- Quem é essa santa criatura?
- Alex Escobar.

Fato que comprovei quando vi Dunga abrir seu contracheque e balançar a cabeça negativamente. De longe, só escutei Escobar gritar:

- Algum problema, Dunga?

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Compartilhando minha paciência

Eu já tinha esquecido esta história, mas aí a minha empresa tomou uma multa por não apresentar uma espécie de “declaração da declaração do pagamento” da contribuição social (não, não repeti a palavra declaração por distração. É isso mesmo!). Depois disso, voltou à tona minha revolta. Tudo bem, o que vou contar nada tem a ver com a política tributária do Brasil, mas é tão burocrático quanto.

Começa agora a história da minha saga. E antes que me perguntem, é tudo verdade.

Eu só queria informar à Vigilância Sanitária que comprei uma geleia de frutas da marca Queensberry (lote 5004-05 validade 05/01/2012) e veio uma barata viva dentro. Como a empresa fica em Barueri / SP e o produto foi vendido em Niterói / RJ, achei melhor entrar em contato com a ANVISA. Este foi meu primeiro telefonema. 0800 642 9782.

- Nome. Nome completo, CPF, telefone de contato, nº de protocolo.
- Posso fazer agora a denúncia?
- A denúncia, senhor, deve ser feita para a Vigilância Sanitária do estado do RJ. O número é 2333 2787.

Alguém de boa alma, por favor, me explique: se a denúncia só pode ser feita pela Vigilância do estado, porque a Elizabeth quis saber meu nome, sobrenome (é chato pra caramba ficar soletrando toda hora Vartan Melikian, sabia?), meu CPF, meu telefone e AINDA me deu um número de protocolo?

Respirei fundo... 2º ligação.

“A Telemar informa que o número não está recebendo ligações”.

“Googlei” e peguei um novo número. 3º ligação. 2333 – 3787.

- Aqui é do gabinete. O telefone para denúncias é 2219-1394.

4º ligação. Fui atendido.

-Nome do produto, lote, local de compra, endereço da fábrica...

Nesse momento, o atendente descobre que a empresa da geleia fica em São Paulo.

- Ah, a Vigilância do Rio não tem competência para repassar uma denúncia para a Vigilância de outro estado...

Pausa para reflexão.

Será que é tão difícil para as vigilâncias se comunicarem por e-mail? Por exemplo, coloca no assunto: “Denúncia feita no RJ, favor verificar” e no corpo do e-mail, os dados. Enfim, mas como fui informado, ninguém na Vigilância tem competência para fazer isso.

(continuando as instruções recebidas)
- ...Você deve ligar para a Vigilância do município de Niterói, onde a geleia foi comprada, para que eles recolham o produto (pelo jeito, a fábrica em SP que se dane). Há dois telefones.

5º ligação. 2717-7184:
- Itaú, bom dia!

6º ligação. 2613-2805. Ora ninguém atendia, ora dava ocupado.

Desisti. Fui cuidar da barata.

Três dias depois a barata morreu. Há suspeitas de que tenha se intoxicado com a geleia. Coitada!

PS: Depois do teste de paciência, podem vir a vuvuzelas desta Copa que aturo numa boa! hhhhuuuuuuuummmmmm

quarta-feira, 12 de maio de 2010

(J)A Era Dunga

A seleção que vai à África do Sul é a cara de Dunga. E Dunga, como vocês sabem, tem aquele cabelo arrepiado que era moda 20 anos atrás e usa aquelas roupas, desenhadas pela filha, que nunca foram moda.

Dunga pode não ter lá muito bom gosto, mas é sincero. Há tempos, vem nos avisando que a convocação não teria nenhuma surpresa. E, realmente, não houve. O nome de Grafite, convenhamos, não pode ser classificado como surpresa. É um susto.

Mais assustadora ainda é a lista do meio-campo. Sete volantes e um meia-atacante. A conta foi feita errada? Ou ele achou que um time para ser guerreiro precisa ter o maior número de volantes possível? Guerreiros não atacam? A conta foi mal feita, é isso! É melhor achar que nosso treinador é ruim em matemática do que medroso.

O curioso é que para defender os nomes dos convocados, aí o técnico cita bem números, desempenho, estatísticas. Parece até a tese acadêmica do professor Dunga, como se o futebol fosse científico, coerente.

Até suspeito que a convocação é baseada numa estratégia de Dunga. “Tão pensando o quê? Vão ficar só criticando o técnico. Agora vão falar também dos jogadores”

Agradeço a oportunidade, mas vou continuar escrevendo sobre Dunga. Já falei muito bem dele como jogador... Calma! Não cheguei ao ponto do Jorginho para dizer que as principais jogadas da seleção de 94 saíram dos pés de Dunga! Eu torço. Não distorço. Acho que ele foi sim um bom jogador. Mas, como sou incoerente, não quero a seleção com o jeito dele. Até porque, com o tempo, Dunga ficou sem jeito e sem modos. Às vezes, parece que vai dar um carrinho no entrevistador.

Mas tudo isso deve fazer parte do pacote para ser treinador hoje da seleção: tem que ser mal humorado, e ter uma opinião que não combine com a de mais ninguém. É a tal da coerência. Só que eu estou com Millôr Fernandes: “o coerente é aquele que nunca teve outra ideia”. Bem, só não sei se o Millôr já mudou de ideia.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Yes, nós temos TOC

Se fosse possível personificar alguma doença, o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) seria uma espécie de político que vive prometendo que todo o tormento que estamos passando é para o nosso próprio bem.

Mas Diógenes era o tipo de alma que acreditava em políticos. Pior: acreditava em promessas de político. Tanto que até hoje tem a esperança de ver corrigida a poupança confiscada no plano Collor. Já se passaram 20 anos e toda vez que vai consultar seu saldo, Diógenes continua repetindo baixinho, várias vezes, as mesmas palavras: “Não me deixem só!”. Nunca respondeu se o que diz é devido ao antigo jargão do Collor ou se é abreviação da frase completa que seria: “Não me deixem só...COM ISSO!”. Bem seja como for, seu ritual não trouxe nenhum resultado. Ainda. O “ainda” é por minha conta. Preciso confessar: também tenho TOC.

Só que o TOC de Diógenes tem algo mais sublime do que o meu. Para ele, suas manias vão salvar o mundo. Essa é a sua missão. Aliás, não é apenas uma missão. É uma redenção. Precisa reparar um erro histórico. Em 98, devido a uma terapia para vencer seu TOC, foi dormir, na véspera da final da Copa do Mundo, com o cabelo despenteado. Deu no que deu. Ronaldo se sentiu mal, Zidane não sentiu pena e a gente se sentiu péssimo.

O terapeuta até hoje não entendeu quando Diógenes apareceu no consultório com um alicate querendo arrancar o mamilo dele (do terapeuta claro! Não o dele mesmo. Ele tem TOC, mas não é louco). O psiquiatra apenas classificou o fato como “surto agressivo em virtude da abstinência de rituais”.

Depois da tentativa de vingança, Diógenes passou quatro anos se preparando. Inventou vários e originais TOCs para reverter a falha de 98. Em 2002, veio o resultado. Depois de ele cumprir todos os seus rituais, a Seleção venceu os 7 jogos da Copa. Se orgulha até hoje de ter dado a dica para o Ronaldo aparecer com o cabelo cascão naquela final. “Se não foi isso, sei não”.

Diógenes sabia que podia ir além do esporte e alcançar um feito maior. Assim, começou seu ritual para salvar o mundo. Pesquisou qual TOC seria a senha mágica para despertar o primeiro passo: A paz no Oriente Médio!

Não era muito complicado. O raciocínio era o seguinte: a maioria dos palestinos é muçulmana, religião que tem como dia sagrado sexta-feira. Sexta-feira... Sexto dia da semana... Anotou o número 6. Para os judeus, a data santa é sábado. Sábado...Sétimo dia da semana.... Número 7. Às vezes, eu ficava em dúvida se Diógenes tinha TOC ou se era numerólogo.

Mas enfim... O plano era claro e óbvio (por que ninguém havia pensado nisso?). Para unir os dois povos, bastaria unir os números dos dias sagrados. Deu 67... Sendo 6+7=13. E esse é o número de quem? De quem? De Zagallo, o técnico que “teve que engolir” os 3 a 0 para França na Copa de 98. Por culpa de quem? De quem? Do descaso de Diógenes. Promover a paz entre judeus e palestinos com o número 13 era uma homenagem a Zagallo, uma maneira de recompensar o que fizera ao Velho Lobo.

Foi assim que passou a repetir todos os seus gestos 13 vezes. Os resultados estavam demorando, mas a visita de Lula ao Oriente Médio acendeu Diógenes de esperança.

-Ele é o cara. Já praticamente resolveu o problema do apagão, da saúde pública, da guerra do tráfico... Então, deixa a Faixa de Gaza com ele. Rapidinho, Lula dá um jeito. Vamos comemorar.

E saía eufórico imitando o aviãozinho de Zagallo (lembram?). Fez, claro, 13 aviõezinhos. Não temia ser ridicularizado. Sabia que salvar o mundo tem seu preço. Lamentava apenas a perda dos amigos que morreram quase todos de cirrose ao tentarem acompanhar as sempre 13 doses de Diógenes na mesa do bar.

-São mártires – dizia com orgulho e os olhos cheios d’água.

A solidão só não foi pior porque conheceu Wasleka, a ninfomaníaca que, ao saber do TOC de Diógenes, encontrou seu homem perfeito. Hoje, mesmo com as olheiras profundas, ele se arrasta satisfeito para o 13º sexo do dia. Tudo em nome da paz mundial.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Chuvas de Abril

Toda vez que há uma catástrofe provocada pela natureza, surgem os profetas anunciando o fim do mundo. De tanto palpite, um dia eles acabam acertando.
- É bom se preparar, meu filho, o apocalipse chegou! – disse um senhor de uns 70 anos, conhecido meu.
- Ué, mas não era você mesmo que tinha a certeza que o mundo iria acabar em 2012?
- Então, as prestações começaram.

Pensei: enchentes, desabamentos, mortes... Êta juros altos!

Não sei ao certo o que conseguiríamos evitar com uma política de prevenção séria. A quantidade de chuva foi enorme e poderia até ser imprevisível. O que não pode ser surpresa é a Defesa Civil descobrir só na hora da tragédia que a favela foi erguida em cima de um lixão.

Não adianta dizer que a culpa é apenas da população por construir casa em áreas de riscos. Qual a alternativa que se tem? Há uma política de habitação? Caso haja, está integrada a uma política de transporte, para que essas pessoas cheguem aos locais de trabalho, escolas e hospitais. Suspeito que é mais imprevisível o dia em que tudo isso funcionar do que outra chuva dessas.

Previsível (e triste) é o governo do Rio receber propostas de ajuda de outros estados e argumentar que, por enquanto, não é necessário. Ora, se não é necessário, por que é a população que está ajudando a remover os escombros à procura de sobreviventes e corpos? Fazendo isso, claro, sem nenhum preparo e segurança. Negar a oferta dessa ajuda é apenas uma tática simples e óbvia de passar a ideia que está tudo sob controle. Ou seja, além de bom senso, falta criatividade para os governantes.

Não sei se o velhinho amigo meu está com a razão e o apocalipse já está acontecendo. Mas que há algumas bestas aparecendo por aí, isso há.

terça-feira, 30 de março de 2010

Jogo de palavras

Num jogo de palavras, ele seria o camisa 10. Tem gente que sabe se defender para evitar seu o ponto final. Tem gente que sabe atacar em busca de uma vitória exclamativa. Esses cumprem bem o seu script. Mas há aqueles que, ao receberem seu papel, nos fornecem uma nova leitura. Porque interpretam com simplicidade a complexidade do óbvio. E fazem sua arte exaltando as artes que enxergam.

Armando Nogueira era assim. Não se sabe se o gol ficava mais belo depois que ele escrevia ou se o gol já era lindo e a gente via apenas como um fato corriqueiro. Como uma maçã que caiu da árvore sem que fôssemos capazes de notar a lei gravidade. Mas Armando notava, porque mais do que a visão do jogo, teve a visão da jogada. Mais do que a visão da jogada, teve a visão do jogador. E mais do que a visão do jogador, teve a visão do ser humano.

sábado, 30 de janeiro de 2010

O sinestésico

Tato, como o próprio nome anunciava, era um rapaz cheio de dedos. Talvez por isso tenha sentido um frio na espinha antes de comunicar à família que ia largar tudo para estudar anatomia. O pai disse que assim ele ia trocar os pés pelas mãos. A mãe também colocou uma pulga atrás da sua orelha quando perguntou o que o levaria a abandonar o trabalho de digitação, a profissão perfeita para ele.

Mas Tato botou na cabeça que queria conhecer cada parte do corpo humano e pela primeira vez iria olhar só para o próprio umbigo. Ah, e a família não teria que meter o nariz onde não era chamada.

Estava decidido a nunca mais ser o testa de ferro daquele chefe que era um chute no saco. Vivia carregando a empresa nas costas e pesava em seus ombros a responsabilidade de entregar todo trabalho com ele fungando em seu cangote.

Tudo aquilo o embrulhava o estômago e já há algum tempo empurrava aquela situação com a barriga. Mas havia chegado a hora de dar um pé na bunda do chefe pentelho e agarrar com unhas e dentes a faculdade de Anatomia. Foi de peito aberto fazer o que seu coração mandava.

Mesmo sabendo que a mensalidade custava os olhos da cara, fez a matrícula. “Pode ter sido um passo maior que a perna”, pensou. Mas, logo em seguida, lembrou o dito popular que sempre ouvia do antigo chefe: Ajoelhou tem que rezar. Além de rezar, só havia um jeito de pagar a conta: fechar a mão

Controlou o bolso com pulso forte. Os estudos também. Era o crânio da faculdade. Mas uma matéria cabeluda era o seu calcanhar-de-aquiles. Precisava que os amigos dessem uma mãozinha. E foi assim que conheceu Geysa, a menina da minissaia, que compartilhava tudo o que sabia sobre o corpo humano.

Com ela, mesmo se ele tivesse entendido a matéria, dava uma de joão-sem- braço, só para ficar escutando aquela mulher que falava pelos cotovelos. Ele, apaixonado, ficava quieto, com um nó na garganta, sem conseguir se declarar. E se ela virasse a cara?

Só que o povo tem a língua maior que a boca e começou a falar mal da Geysa. Dizia que ela fazia a faculdade nas coxas e que não era companhia para Tato. Mas ele não deu ouvidos. Tomou coragem e entrou de sola naquela relação, que era muito mais do que uma coisa de pele.

Com a menina da minissaia, Tato finalmente conhecia todas, mas todas as partes do corpo humano. Enquanto isso, Geysa lavava sua alma.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Insônia

A insônia existe. É só ficar acordado de madrugada que você vai conhecê-la. Mas já adianto: ela só não é um verdadeiro pesadelo, porque obviamente você não está dormindo. É claro, existem várias maneiras de você vencer a insônia à noite e o sono de dia . Ir morar no Japão é uma saída. O fuso horário de 12 horas em relação ao Brasil vai fazer você se sentir um ser normal. Isso funcionaria se a indústria da insônia não fosse uma organização tão aparelhada.

Eles estão unidos. O seu vizinho, por exemplo. Por que você acha que ele dá as festas até altas horas ao som de “Macarena”? Você acredita que alguém ache mesmo divertido dançar “Macarena”? Acorde para vida! Ele é um agente dessa indústria. E seus convidados também. Tudo para perturbar seu descanso.

Quando acaba a festa, você acha que vai relaxar vendo um filmezinho para, enfim, pegar no sono. Sonho seu! A Rede Globo também está envolvida na máfia e anuncia o Intercine dando duas opções de filmes: Adoradores do diabo ou Terror na montanha! Assim, quem consegue dormir?

A máquina funciona dessa maneira: com insônia você acaba se associando a um plano de saúde (pois é, os planos também são parte da engrenagem) e procura um médico. Ele diz que é apenas estresse, e manda você fazer análise. O analista indica um livro de auto-ajuda. Os livros de auto-ajuda levam você a assistir a palestras de auto-ajuda. Logo, logo, os participantes querem se mostrar amigos sensíveis e vão começar a mandar e-mails “Para refletir”, tudo em arquivos PPS gigantes. E quando você perceber, está passando a madrugada inteira lendo e enviando os PPS “lindos COM SOM”.

Lembre-se: a máfia não dorme em serviço. Ela sabe que, quanto mais tempo acordado, você consome mais, alimentando assim os interesses dessa ideologia neoliberal selvagem. Então, fiquemos atentos na nossa vigília, porque se cochilarmos, nunca mais vamos dormir.

PS: se você dormiu antes de chegar ao fim do texto, quer dizer que estamos no caminho certo.